terça-feira, 5 de abril de 2011

A poltrona

Um belo dia ele saiu de casa. Decidido. Batendo a porta com toda sua força. Esperando que o barulho dessa pancada ecoasse eternamente na mente dela. E ela ouviria para sempre em sua memória o som da porta batendo, mas sabia que no fundo isso era apenas sua vida voltando ao normal.

Débora e Ricardo sempre foram pessoas muito diferentes. Diferentes em tudo.
Ele era um sujeito daqueles que parecem que nasceram ao som de uma Escola de Samba na Sapucaí. Sempre sorridente. Trazia pra si a atenção de todos. E não precisava de esforço algum pra fazer isso. Era natural. Era naturalmente feliz. Dançava como poucos. Não se afrouxava pra nenhum ritmo. No Forró era Rei; no Samba parecia dançarino profissional; até mesmo Tango ele conseguia bailar como se tivesse tido aulas com os dançarinos de Gardel. E vivia assim ,levando a vida como se fosse uma eterna dança.
Débora era seca, fria. Sempre educada, cordial, porém não falava nada mais que o necessário. Nunca foi vista dando discursos ou aumentando o tom de sua voz. Adorava ler. Sentada em sua poltrona, ora admirava seus quadros, ora lia algum livro, de preferência algo clássico. A música era companheira nessas horas, alternava entre Bach, Beethoven e Mozart. Adorava passar as tardes no fim de semana tocando seu piano. Desde os 4 anos de idade era fluente nessa arte, mas nunca quis exibir-se para ninguém, pois tinha medo que a vergonha do público lhe fizesse desmoronar em poucos segundos. Assim era sua vida e ela a adorava-a.
Mas um dia seus caminhos teimaram em cruzar. Ricardo fazia sua corrida matinal antes de encaminhar-se ao Escritório da Empresa que dirigia e, num momento de desatenção, acabou esbarrando em Débora, que voltava de uma gráfica onde havia mandado fazer seus cartões profissionais. Neles constava a seguinte informação: Dra. Débora Rezende, Cirurgiã Dentista, entre outras informações. Após o choque entre eles seus cartões voaram. Rapidamente, com o auxílio de Ricardo, ela os juntou. Trocaram olhares. Nada mais que isso. O máximo que ela fez foi timidamente agaradecê-lo. Ele tentou começar um diálogo, mas ela já havia virado as costas e seguido seu caminho. Porém com uma dúvida que inquietava seu pensamento. Por que seu coração acelerou tanto no momento que colocou os olhos naquele rapaz tão belo? E por que ele não desacelerava logo? E por que ela não parava de pensar nele? Chegou em casa e logo já saiu novamente em direção ao Consultório. Era um dia cheio, inúmeras consultas marcadas. Atendeu novamente a manhã inteira. Chamou o seu último paciente já pensando onde iria almoçar. Após um breve atendimento liberou-o e preparou-se para sair quando sua secretária a chamou dizendo que um paciente havia chegado aos berros, dizendo que necessitava urgentemente de uma consulta, pois estava com imensa dor. Dra Débora pediu a secretária que o fizesse entrar em seu Consultório então. E nessa hora seu coração voltou a acelerar. Diante de seus olhos novamente estava postado ele, o belo rapaz com quem havia esbarrado mais cedo. Pensou ser apenas uma coincidência. Mas descobriu que não era. Antes que ela começasse seu atendimento ele já a interrompeu e lhe ordenou: tire o jaleco, não estou aqui como paciente e sim como um homem que passou a manhã inteira sem saber como lhe tirar dos meus pensamentos. E como não consegui vim lhe convidar pra almoçarmos juntos.
Ela não sabia o que fazer. Ele era um estranho completo. Um belo estranho. Mas ainda assim um estranho. Porém, sem saber porque, simplesmente respondeu-lhe que sim, que apenas ia pegar sua bolsa e iriam. Mas deixou claro que iam almoçar onde ela escolhesse e iriam a pé. Já achava muito estranho ter aceitado sem nem pensar. Mas expôr-se ao risco de um sequestro ou algo parecido não era algo que Débora faria.
Almoçaram juntos, conversaram muito, apresentaram-se. O tempo voou e logo ambos precisavam voltar, já atrasados, aos seus afazeres profissionais. Mas não sem antes marcar um próximo encontro.
O segundo foi ainda melhor. Às 8 e meia, como combinado, encontraram-se novamente para um encontro que não tinha hora pra acabar. Aliás, só acabou no outro dia. Com Roberto servindo um caprichado e gostoso café da manhã para Débora, ainda na cama, ainda em êxtase pela maravilhosa noite de amor que tiveram. Ela não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo. Acreditava estar enlouquecendo. Ela em sã consciência jamais faria isso tudo. Mas fez. E foi feliz. E assim eles iniciaram um relacionamento duradouro, que fez com que um fosse adquirindo um pouco mais da personalidade do outro.Com o tempo ela continuou a adicionar um pouco de maluquice em sua vida e Roberto passou a ser um pouco mais centrado, mais concentrado, o que foi ótimo para seus negócios. Eles passaram a se completar.
Casaram, foram morar juntos, passaram até a urinar de porta aberta sem problema, a intimidade estava completamente estabelecida. Mas um dia, tudo mudou. Um dia a porta ia ser batida com tanta raiva que o prédio inteiro assustar-se-ia. Um dia tudo acabaria!
Era domingo, estavam ambos em casa sozinhos. Almoçaram e deitaram-se na rede para descansar. E entre os assuntos que deram as caras um não era pra ter aparecido, pois foi o que gerou a revolução: filhos. Ela disse a ele que já estava na hora de terem o primeiro. Ele concordou, após uma pausa reflexiva, é lógico. E começaram a liberar suas imaginações em função desse baby. Pensaram nomes, pensaram quem seriam os padrinhos, pensaram como ia ser a festa de  1 aninho, pensaram como ia ser a casa depois do nascimento do filho. E aí a confusão foi formada. Chegaram a conclusão que a casa teria de ser mudada para receber a criança, precisariam de mais espaço, precisariam livrar-se de coisas que não usavam mais. E foi aí que ele sugeriu que eles livrassem-se daquela velha poltrona dela que ela nunca mais utilizou desde que ele e Débora começaram a namorar. Ela disse que não. Que aquela poltrona fazia parte dela. E como a teimosia também fazia parte de Roberto ele bateu o pé dizendo que a poltrona saía, e num acesso de fúria ele lhe perguntou: se é assim, você decide, ou fico eu ou fica a poltrona nessa casa. Ela parou, mirou por alguns instantes suas duas opções, pensando friamente em cada uma delas. Débora amava muito Roberto e mudou muito seu jeito de ser, sua forma de agir, não só pra agradá-lo, mas também por achar que isso podia ajudá-la em sua vida.. Mas deixar ele jogar fora sua poltrona era deixar ele jogar fora o que sobrou da verdadeira Débora. Virou-se firmemente e disse a Roberto: a Poltrona fica.
Nessa hora ele virou as costas e saiu pra nunca mais voltar.


O que faz um relacionamento nascer e amadurecer é o fato de ambos se amarem e irem se moldando um ao outro. Mas o que faz um relacionamento não acabar é o fato de sempre um respeitar o que realmente importa e sempre importou ao outro.
Até!

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